Por trás da Burca
Por trás da
burca
Despir-se de crenças, valores, pensamentos e hábitos é uma
empreitada difícil, mas necessária para que se possa enxergar além das
barreiras do preconceito e das diferenças culturais. Essa foi uma tarefa árdua
para nossa equipe ao desembarcar no Cairo, capital do Egito, uma vez que
pensamentos como: “Nossa estas mulheres são completamente submissas.”, “Esta
vestimenta parece isolá-las do mundo.”, “Elas são camufladas pela macheza e não
têm direitos, não tem face e tão pouco uma voz ativa na sociedade.”, se fizeram
automáticos e constantes.
Realmente é muito difícil pedir para um ocidental compreender o
porquê da tradição do uso do véu, já que vivemos em países onde mulheres
possuem autonomia de escolha sob seus guarda-roupas.
O uso da burca é uma tradição milenar que é constantemente mal
interpretada pela população mundial, que a torna alvo de controvérsias e
críticas, ora sob o apoio dos direitos humanos, ora pelo medo e preconceito,
ora pela rivalidade existente entre países católicos e mulçumanos ou
simplesmente pela ignorância e falta de informação.
No livro que rege os princípios religiosos muçulmanos, o alcorão,
está escrito: “E dize às crentes que baixem o olhar e preservem o pudor e não
exibam de seus adornos além do que aparece necessariamente. E que abaixem seu véu
sobre os seios e não exibam seus adornos senão aos seus maridos ou pais ou
sogros ou filhos ou enteados ou irmãos ou sobrinhos ou damas de companhia ou
servas ou criados de apelo sexual ou às crianças que nada sabem da nudez da
mulher.”.
Nessa citação não se faz clara a mensagem de que as mulheres devam
se enclausurar em metros e metros de tecidos, mas a citação transmite a
filosofia de que elas devem se apresentar de forma a não chamar a atenção
demonstrando respeito à fé e à família. Com o intuito de materializar tais
palavras, os povos islâmicos inventaram a burca.
Atualmente grande parte das mulheres árabes, veementes da fé,
afirmam que além da simbologia cultural e religiosa que este pedaço de tecido
trás, ele também lhes dá a sensação de proteção, física e social, tendo em
vista que a burca é larga e não marca o corpo fazendo com que elas sejam vistas
com maior igualdade diante dos homens, não sendo julgadas por suas formas
corporais e protegendo-as de cobiças pecaminosas.
Os inúmeros países que compõem o Oriente Médio têm padrões diferentes no que se refere à forma da qual se faz uso dos véus e, é claro, isso está ligado diretamente aos valores, políticas, condição social e ao grau de conservadorismo da sociedade de cada local.
De acordo
com o empresário e guia turístico Sherif El-naggar, no Egito, as mulheres podem
optar pelo uso do Niqab, do Hijab ou, ainda, pelo não uso da vestimenta tradicional,
assim como na Turquia, pois são países divididos entre a fé católica e a
muçulmana.
Ele afirma,
também, que com o clima desértico, predominante desta região, o uso do véu
ganha outra função a de proteger a pele feminina sol e abrandar o calor.
Toda via em países de apelo extremista à religião, como Irã,
Arábia Saudita, Iêmen e Afeganistão a política do véu é obrigatória e está
transcrita na lei, sendo que o não uso ou o uso inadequado da veste torna a
mulher passível de punições.
São dois lados da mesma moeda, especialistas em direitos humanos de ambos os sexos vêm discutindo sobre este assunto durante anos e ainda não chegaram a uma conclusão definitiva.
De um lado estão os que afirmam que isso faz parte da tradição milenar que é passada de geração em geração, é o patrimônio característico e a identidade do povo. Do outro lado estão os que defendem que este tecido representa um sinal claro de rebaixamento da figura feminina em uma sociedade opressora e machista, além de estar completamente relacionado com o fanatismo religioso.
Esta discussão
tomou proporções ainda maiores e viajou para além das fronteiras do Oriente
Médio, em 2010, quando o então presidente francês Nicolas Sarkozy, revelou a
primeira proibição ao uso do véu na Europa, temendo que radicais islâmicos se
ocultasse por trás da burca e assim cometessem atentados terroristas.
Em novembro do ano seguinte a cantora norte-americana Lady Gaga
apresentou ao mundo uma visão artística sobre o assunto. A canção “Aura”,
afirma de maneira sutil que o uso da burca é apenas para a proteção da beleza
feminina, um movimento de fé e não uma prisão.
A primeira
música do CD intitulado “ARTPOP” diz: “Eu não sou uma escrava errante; Eu sou
uma mulher de escolha; Meu véu é proteção para o esplendor do meu rosto. Ela
usa burca pela moda; não é uma declaração; É apenas um movimento de paixão”.
Neste ano a grife italiana Dolce&Gabanna lançou uma coleção de burcas e lenços para as mulheres dos
Emirados Árabes Unidos (A coleção está somente disponível neste país).
Em
declaração pública os estilistas Domenico e Stefano disseram que sempre foram
muito fascinados pelo mundo árabe e observaram que as muçulmanas também gostam
muito de moda e são grande consumidoras, mas as peças de alta-costura ficavam
sempre ocultas por trás da burca. Agora elas poderão usar uma burca de grife
(foto).
Mas será mesmo que o mundo está aberto à compreensão dos porquês?
Ao entendimento de outras culturas? É possível enxergar que os povos muçulmanos
vão muito além da religião e da guerra? Ou ainda a conviver pacificamente e
cotidianamente com as diferenças?
Por: Victor Gale