O LADO B DE BERLIM
É inegável que a capital alemã esteja repleta
de história, que seus poros transpirem cultura, arte e expressão. Berlim é uma
das poucas cidades do mundo que pode se gabar por oferecer um cardápio
turístico tão variado. A partir de seu centro, localizado próximo à famosa Alexanderplatz, os visitantes encontram atividades
distintas e para todos os gostos e bolsos, como memoriais à segunda guerra
mundial, museus com milênios de história, arquitetura moderna e clássica,
festas inacabáveis com a melhor música eletrônica, sem contar a infinidade de opções
gastronômicas espelhadas pela cidade.
Os visitantes ficam deslumbrados e é unanime
o pensamento de que apenas dois ou três dias não são o suficiente para ver, ou
pelo menos tentar, sentir a verdadeira essência da cidade.
A cidade é relativamente nova, apesar de seus
779 anos de existência, devemos lembrar que faz apenas 27 anos que ocorreu um
dos momentos mais icônico do século XX: a queda do muro que dividia a cidade em
duas, o lado socialista e o capitalista. O único legado positivo que essa
divisão deixou para a população e para a cidade foi a cultura da grafitagem. Mesmo
sob a tensão da guerra os mais de 150 quilômetros do muro foram preenchidos com
mensagens reflexivas em forma de protesto sobre a situação da qual a cidade se
encontrava durante o regime socialista. A falta de vigilância e a baixa
luminosidade contribuíram para que o paredão fosse a primeira tela em branco a
ser preenchida por este tipo de expressão.
Os artistas de spray ganharam mais força
quando o socialismo veio a baixo, em 1989, e grande parcela do muro foi
destruída pelas mãos do povo. Ainda hoje existem ruínas dele, que estão
espalhadas pela cidade, a maior e mais famosa parcela é o East Side Gallery. Essa por sua vez se transformou
na maior galeria a céu aberto do mundo, já que entre 1989 e 1990 118 artistas
de 21 países traçaram esboços sobre a Guerra Fria e sobre o socialismo com uma
visão artística sob a superfície dele. O que começou como forma de protesto
contra um regime totalitarista acabou se tornando o patrimônio da cidade.
O lado B de Berlim não se resume somente aos
grafites do muro, as intervenções coloridas estão espalhadas por todo o cenário
urbano. Essas criações se encontram nos bairros mais centrais, estão gravados
em prédios antigos e abandonados, semáforos, estações de metrô e por todo lado,
basta ficar atento que os desenhos surgem. Há, também, um reconhecimento dos
melhores artistas e suas obras são expostas em galerias de arte contemporânea e
ateliês. Essas peças de arte são vendidas, em diversos formatos como estampas
de camisetas, chaveiros, cartões-postais, banners e muitos outros.
A capital da Alemanha pode se vangloriar de
ser a cidade mais grafitada da Europa, graças a esse status inventou-se um turismo
paralelo, que foge do convencional. Muitas agências de viagens estão se
aproveitando desse interesse e ampliando seu leque de opções, oferecendo visitas
panorâmicas dos melhores locais para se apreciar este tipo de manifestação artística.
Nós da revista CIDADÃOS DO MUNDO, fomos convidados
a embarcar nessa viagem psicodélica de cores e formas pela Alternative Berlin (alternativeberlin.com), nosso guia e proprietário foi Adie
Stoiber.
Que nos contou que sua agência só trabalha com cidadãos locais e que fazem
parte do meio. Ele quer criar uma atmosfera mais realista em seus passeios e
acredita que uma pessoa do meio pode proporcionar uma experiência completa e
sanar adequadamente as dúvidas dos turistas. O passeio dura três e meia e custa
12 euros e exige-se que o participante tenha um bilhete de metrô diário para
percorrer os três bairros do passeio: Friedrischshain,
Mitte e Krauzberg.
O inicio do passeio é em frente à Berliner
Fernsehturm (antena de televisão de Berlim). A primeira
parada oficial é no Hackescher Höfe, um
complexo de prédios construídos no século 19, no histórico mercado Hackescher Markt. De lá segue para Oranienburger Straße, no bairro de Mitte, onde fica um dos pontos mais interessantes
do roteiro o Tacheles, que é, na verdade,
uma antiga loja de departamentos que foi ocupada pelos nazistas e, desde 1990,
abriga artistas independentes exibem orgulhosamente seus ateliês e vedem seus
trabalhos. Cada peça é única disse Klaus Furtwängler
(28), artista independente que faz grafite desde os oito anos.
Seguimos para Kreuzberg,
bairro conhecido pelo movimento punk e o passeio termina próximo da East Side Gallery. O passeio é apenas uma visão geral com boa
base histórica para quem visita a cidade pela primeira vez. Veja abaixo algumas
fotos das obras que visitamos neste trajeto.
A ilustração mais
célebre e sarcástica sobre o socialismo é a pintura intitulada Mein Gott, hilf
mir, diese tödliche Liebe zu überleben (Meu
Deus, ajude-me a sobreviver a este amor mortal) do artista russo Dmitri Wrubel, que mostra a imagem (à esquerda) de
um dos últimos estadistas soviéticos, Leonid
Brejnev, e (à direita) o último premiê alemão oriental, Erich Honecker. A pintura retrata dois homens
aparentemente se beijando, mas não eles não eram homossexuais, esse gesto,
segundo nosso guia trata-se do ósculo santo, que para a igreja ortodoxa russa,
simboliza a irmandade.
O grafite acima,
também do East Side Galery, simboliza a
constante opressão do governo contra seus moradores, o governo dizia que estava
dando tudo o que uma população feliz precisava e o povo era obrigado a aceitar
e concordar, caso contrario seriam punidos.
O mural da fotografia ao
lado é um ótimo exemplo de que há fragmentos do muro espelhados pela cidade e
esse representa a cultura POP (marcada pelas cores e simplicidade), a vaca da
imagem é a representação clara da loucura do mundo moderno, a coroa refere-se
aos nossos governantes, ou seja, a doença da vaca louca toma um novo
significado aqui, afirmando que o mundo é governado por loucos.
A fotografia abaixo retrata
a realidade de quatro localidades do globo (Rússia, China, o lugar ideal e
Berlim) e algum lugar qualquer. Podemos ver nessa imagem que todas as cidades
possuem muros, entretanto somente o retrato de Berlim passa uma ideia triste.
A perturbadora imagem abaixoestá situada também no muro de Berlim. Essa seja talvez a imagem mais
simbólica de todas, já que dá margem a incontáveis intepretações. Podemos dizer
que a figura humanóide está sofrendo uma lavagem cerebral do governo, ou ainda,
tenha apanhado e sido jogada no chão por militares comunistas e está suplicando
por sua vida. Ou ainda, seja a imagem de uma sociedade dizendo que não podem
mais conviver com tanta atrocidade. Se repararmos bem o homem do retrato está
caindo do planeta terra, o que gera mais uma intepretação de que em função dos
erros humanos o universo está se extinguindo.
Podemos notar na imagem abaixo que o East Side Galery, não se faz só de grafites, mas
também, de pichações (uma forma de caligrafia – transcrita para as paredes da
cidade para que haja uma comunicação entre tribos).
E também é uma parede
aberta aos turistas que querem deixar sua mensagem gravada no famoso muro. Essa
parte de ferro é apenas uma grade de proteção instalada após 1989.
Essa
representação faz alusão às pombas da paz e da sabedoria que após a queda do muro,
em 1989, trouxe o cordão da união de volta à cidade e o, também, o espirito de
paz.
E para finalizarmos nossa viagem pelo lado B de
Berlim, a imagem que diz tudo por si mesma, onde encontramos diversos elementos
simbólicos: o nome da localidade, o arame farpado, ilustrações com os atrativos
turísticos da capital e a letra “Y” grande que representa a árvore da vida com
um enorme fruto, a maçã.
POR: VICTOR GALE